Pacientes são contaminados com HIV após transplantes no RJ
Publicado em 16/10/2024 | 97 Impressões | Escrito por Renato Abreu
Em um evento de gravidade sem precedentes, seis pacientes foram contaminados com o vírus HIV após passarem por transplantes no estado do Rio de Janeiro. A responsabilidade estava sob o laboratório privado Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme), contratado por licitação emergencial pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) para atendimento ao programa de transplantes no RJ. O PCS teve os serviços suspensos logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente, de acordo com a Secretaria. O Ministério da Saúde determinou a instalação de auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS no sistema de transplante do Rio de Janeiro.
O laboratório
Foi constatado, após a grave notícia de infecção de pacientes transplantados, que a empresa que prestava serviços à SES tinha como sócios o primo e o marido da tia do deputado federal Dr. Luizinho, atual líder do PP na Câmara. Ele foi secretário estadual de Saúde entre janeiro e setembro de 2023, época da contratação da PCS – mas afirma não ter relação com a escolha da empresa.
O laboratório atendia mais dez serviços de saúde do RJ, fazendo serviços de análises clínicas e patológicas, com exames de sangue e de identificação de doenças como toxoplasmose, hepatite, sífilis e até câncer. Segundo reportagem do G1, “De 2022 até setembro de 2024, o valor empenhado pela Secretaria de Saúde em contratos com a PCS Lab era de R$ 21,5 milhões”. Em nota, o laboratório PCS Lab afirmou que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso.
Policiais civis do Rio de Janeiro fazem, na manhã desta segunda-feira, uma operação para apurar a suspeita da emissão de laudos falsos feitos pelo laboratório PCS Saleme, segundo a Agência Brasil. Um dos sócios do laboratório, o médico ginecologista Walter Vieira, foi preso na ação desta segunda-feira, bem como o responsável técnico pelos laudos. A polícia suspeita que o grupo tenha falsificado laudos também em outros casos.
O histórico de erros do PCS LAB Saleme levanta sérias dúvidas sobre a confiabilidade da empresa. Em 2010, os sócios Marcia Nunes Vieira e Walter Vieira já haviam sido condenados por erro de diagnóstico em outro laboratório, quando informaram incorretamente que uma paciente era portadora do vírus HIV. O caso foi resolvido após anos de disputa judicial e resultou no pagamento de uma indenização de R$ 10 mil. Mais recentemente, em 2023, o PCS LAB voltou a ser processado por trocar laudos médicos de outra paciente, um episódio que ainda está em curso na Justiça.
Os pacientes
A descoberta da contaminação por HIV em pacientes transplantados ocorreu no dia 10 de setembro, quando um dos receptores apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para o vírus, mesmo sem ter a infecção antes do transplante. Esse paciente havia recebido um coração no final de janeiro de 2024. A partir desse caso, autoridades de saúde revisaram o processo e identificaram falhas em exames de ao menos dois doadores realizados pelo laboratório PCS-Saleme.
No caso do doador de janeiro, foram transplantados rins, fígado, coração e córnea. De acordo com os testes iniciais feitos pelo laboratório, todos os órgãos foram considerados não reagentes para HIV. No entanto, uma contraprova realizada pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ) em amostras armazenadas revelou a presença do vírus. Os receptores dos rins também testaram positivo para HIV, enquanto a pessoa que recebeu a córnea, menos vascularizada, não foi infectada. Já o receptor do fígado faleceu pouco tempo após o procedimento, mas sua morte foi atribuída a complicações pré-existentes.
Em outubro, mais um caso semelhante surgiu. Outro transplantado apresentou sintomas e foi diagnosticado com HIV. Ao cruzar os dados, as autoridades identificaram mais um erro em exames, dessa vez em uma doadora de maio. Em resposta, a SES-RJ transferiu os exames de sorologia dos doadores para o Hemorio, que passou a conduzir os testes e retestar materiais de 286 doadores anteriores.
O Ministério Público do Rio de Janeiro recomendou à Secretaria Estadual de Saúde e à Fundação Saúde melhorias nas práticas de análise de amostras de sangue relacionadas à Central Estadual de Transplantes, após a contaminação de seis pacientes com HIV durante procedimentos de transplante. A recomendação, divulgada no dia 13, orienta que todos os exames sejam realizados exclusivamente pelo Hemorio. Caso essa medida não seja adotada integralmente, a Secretaria deverá justificar por escrito, sob risco de ações administrativas e judiciais.
As providências
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou que o Ministério da Saúde determinou uma auditoria urgente para apurar a infecção dos seis pacientes transplantados. Segundo Nísia, a auditoria será realizada pelo Sistema Nacional de Auditorias (SNA), que tem como objetivo investigar as circunstâncias que levaram à contratação do laboratório PCS-Saleme e os erros nos exames de sorologia dos órgãos doados.
O laboratório, contratado por licitação emergencial em dezembro de 2023 por R$ 11 milhões, foi interditado pela Anvisa após a constatação das diversas irregularidades. Entre as falhas identificadas durante a inspeção da Anvisa, estava a falta de kits necessários para a realização dos testes sanguíneos, além da ausência de documentos que comprovassem a compra dos materiais.
Além disso, Nísia Trindade reforçou o compromisso do Ministério com o apoio especializado aos pacientes e familiares que foram afetados, oferecendo assistência médica e psicológica. O ministério também ordenou a retestagem de todas as amostras de sangue coletadas desde a contratação do PCS Lab Saleme, como parte de um esforço para identificar possíveis novos casos de erros nos exames realizados pelo laboratório.
Como evitar que fato grave se repita
O Ministério da Saúde anunciou que irá revisar a portaria que regulamenta o Sistema Nacional de Transplantes, com foco na criação de normas específicas para determinar quais laboratórios poderão realizar os testes relacionados a transplantes de órgãos. Atualmente, as regras vigentes não estabelecem critérios claros para a escolha desses laboratórios. As discussões sobre a revisão das normas foram iniciadas durante o Fórum Nacional para Revisão do Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes, realizado em setembro, e devem incluir a participação da Anvisa e da sociedade civil. A revisão das normas busca também reforçar o monitoramento e controle dos laboratórios que realizam esses exames, com o objetivo de garantir maior segurança nos procedimentos de transplante.
Fonte: Outra Saúde