Tremedal 70 anos - A Igreja de São Felipe ou O Tropeiro e a Donzela


Publicado em 04/11/2023 | 134 Impressões


Tremedal 70 anos -  A Igreja de São Felipe ou O Tropeiro e a Donzela

A IGREJA DE SÃO FELIPE OU O TROPEIRO E A DONZELA

Remígio Negrão era chefe de tropas, viajava com quatro a seis lotes de burros, transportando mercadorias entre as lavras do Norte de Minas, Grão Mongol, Minas Novas, Araçuaí, e as cidades da Bahia, lá para as bandas de Maragogipe e Nazaré das Farinhas. Descia dos Serrados das Gerais, passando por Rio Pardo, chegava ao Vale nas cabeceiras do Ressaca, e seguia margeando esse córrego até sua foz no Rio Gavião, caminho natural para chegar ao Rio de Contas, ganhando dali, pelo Vale do Jequiriçá, as cidades da costa. A viagem era longa, e alguns pontos de rancharia passaram a consțituir-lhe pouso e descanso de alguns dias. Chegara a São Felipe.

Era tempo das águas. Do alto da Rancharia, uma paisagem exuberante descortinava à sua frente. Uma brisa fresca de tarde preguiçosa roçava os crespos cabelos de Remígio, deitado na rede, pensando nas jornadas que fizera, e em quantas tinha a fazer, com pousos e repousos, naquela viagem longa e rotineira. De repente assoma-lhe, no gradilho da Rancharia, uma senhora trajando saias longas de chita azul, a cabeça protegida por um xale português também azul, conduzindo uma moiçola, linda na sua brejeirice sertaneja, alva de cabelos pretos, portando um corpete e uma saia que Ihe acentuavam as formas esculturais ali cobertas. Remígio não conseguia tirar os olhos da donzela; um leve calor lhe percorria as entranhas, calor de cobiça e de ternura... e a velha foi lhe falando logo, procurando por tecidos e aviamentos, a fim de preparar o enxoval de casamento da pequena. Remígio, com o juízo em parafuso, respondia em monossílabos, furioso de ciúmes do noivo, que, até há pouco, não imaginava existir. Quando pode articular uma frase, foi logo dizendo à velha: "Não tenho nada que serve para casar sua filha ou neta com outro, tenho tudo que for preciso para ela se casar comigo". Arrebatamento. Amor fulminante à primeira vista.

Remígio, depois de vender toda a mercadoria que trouxera, retorna a Minas e lá carrega cinco lotes de burros de um tudo para abrir em São Felipe uma loja, que era quase um bazar, sortida de tecidos, secos e molhados.

Casou-se logo. Fixou morada em São Felipe. Fez fortuna. Nunca mais voltou a Minas.

Um dia, batem-lhe à porta três senhores. Procuram-no para que desse conta das mercadorias trazidas nos cinco lotes de burros, na vinda que não teve volta.

"Sou eu mesmo, Remígio Negrão. Todo dia eu calculo o valor das mercadoria que eu trusse e os juro. Aqui tá a importança que devo ao coroné Terto. E peço discurpa a ele. Foi coisa de amô"

Os cavaleiros voltaram ao Norte de Minas admirados da honestidade de Remígio, perdoando-lhe a falta causada pelo amor de lsadora, pois este era o seu nome avó de Napoleão Ferraz, fundador de Belo Campo.

Naquele tempo, o Rio Gavião era perene. Sobreveio uma seca avassaladora e o rio secou e os campos também. Remígio mudou-se para o norte de Minas à procura de pastos para sua tropa e seu rebanho, prometendo retornar para São Felipe, quando chovesse e o rio voltasse a correr.

Cinco anos se passaram, e as águas caíram do céu, e o rio voltou correr, e os campos reverdeceram, e a abundância chegou ao Sertão da Ressaca e Remígio, reuniu seus pertences, sua tropa e seu rebanho, sua mulher e seus filhos, e pegou estrada para São Felipe, cumprindo o que prometera.

Ao sair de São Felipe, Remígio fez uma promessa de que, com o retorno das chuvas, ele voltaria e faria erguer uma igreja majestosa na Foz do Ressaca no Gavião, ali nos 'confins da Barra dos Campos. Dito e feito. O carpinteiro e telheiro vieram de Salvador. E foi construída a mais bela igreja colonial barroca do Sertão da Ressaca. Essa igreja lá está atestando um passado de bonança e bom gosto. Outras duas de quase igual valor histórico foram destruídas pela fúria modernizante em Condeúba e Conquista. E um pároco energúmeno, apoiado por beatas ignorantes e fundamentalista políticos apedeutas e oportunistas, desconectados do passado de nossa gente demoliu o quarto exemplar arquitetônico, imagem histórica do Bom Jesus do Tremedal, cuja construção, há 137 anos, fora patrocinada por quatro "lustres filhos da terra, propriedade particular que nunca fora doada, nem por eles nem por seus sucessores, à paróquia, ao bispado, ao arcebispado ou ao vaticano.

Esta história me foi contada por Moza Ferraz, em Belo Campo.

Texto concedido ao TR por Licinho de seu Nena

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