Publicado em 26/09/2022 | 65 Impressões |

Desde quando a influência de outro autor pode ser vista como plágio

       Enquanto escrevia O Pássaro de Fogo e a Loucura de Benjamim Leone Antuñez, eu notei que estava, inconscientemente, repetindo trechos de livros que relera no ano passado, início da pandemia, em março de 2020; sendo, portanto, leituras recentes. Interrompendo-o, dei uma busca na estante da memória à procura desses escritores. Contudo, não vinham à tona as benditas obras que a mente tanto me cobrava, e seus consequentes autores.

       Um dia, e mais dias se passaram, e eu nada de me lembrar; mas, por mero acaso, eu estava a folhear antigas revistas, e, para minha surpresa, deparei-me com um anúncio duma adaptação para o teatro de Carmem, livro de Prosper Mérimée. Aí bateu:... Foi nesse livro o que li sobre os ciganos! Livro incrível, contando a história da cigana Carmen e a cega paixão do bandido dom José Navarro por ela.

       Quanto ao outro, veio-me à mente Eric Hobsbawm, logo depois do livro de Prosper Mérimée. Na obra dele, Rebeldes Primitivos, tem um assunto, O Bandido Social, –– (que também é resultado de pesquisas bibliográficas, as quais ele cita no rodapé os autores) –– que me chamou à atenção por serem esses movimentos, ocorridos nos séculos XIX e XX, bem parecidos com os nossos.

       O cangaceiro nordestino seria, portanto, o nosso Bandido Social.

       O meu livro é ambientado nas lavras da Chapada Diamantina. São histórias, que entre tantas, ouvira de parentes, outras eu escutei em cidades, povoados, fazendas, sítios e recantos ermos, nos quais  pernoitei, até permaneci por um ou mais dias. Os ciganos, que é o assunto em questão, eu estava a escrever sobre os que vivem no meridional centro da região da Chapada, no Recôncavo baiano e vale do Jequiriçá.  Assunto este que involuntariamente vinham-me à mente, tanto que me fez aproximar-me dos ciganos ibéricos do livro Carmen, de Prosper Mérimèe.

       Eles por terem a tez e costumes bem parecidos dos ciganos brasileiros, o que se presume serem também duma mesma origem,  mesmo alguns terem se miscigenados; mas que, em sua maioria, percebia-se ser de uma mesma linhagem. De modo que folheei e reli parte do livro Carmen, achando, com isso, breves passagens do meu livro bem parecidas com as do livro de Mérimèe, e, para minha surpresa, relacionavam-se entre si, porém sem serem iguais; ciente disso, eu tratei logo de melhorar alguns trechos. Eu faço questão, também, de dizer que o mesmo cita no rodapé as obras bibliográficas pesquisadas. Então, concluímos que ele agiu da mesma forma que eu com compilações e consultas, referentes ao assunto em questão.    

       Parto, portanto, do pressuposto que o escritor, ou jornalista; enfim, quem trabalha com a escrita, em princípio, primeiro tem que se abastecer de idéias e informações, gravando e anotando o assunto de seu  interesse, como livros, notícias, enfim, fontes pertinentes ao assunto e, sobretudo, o material humano: as pessoas, seus costumes, tradições...; –– o geográfico: a topografia, solo e relevos, se possível, presencialmente; ––  e no urbano: as concentrações populacionais como cidades, povoados... as suas relações sociais, econômicas, construções...; –– no campo: a flora, a vegetação, suas variantes, a fauna, macro e micro, com suas variegadas mudanças de estação. Observar também como se comportam e sobrevive a vida animal no ambiente no qual habitam; aí o escritor passar a elaborar e organizar as idéias.  

       Eu parto do princípio que esse olhar deve se estender para todo meio, habitat urbano e não urbano; todavia, evito ir mais além para não  fugir ao meu propósito,  que é a influência literária de autores nos  nossos escritos. Influência que pode ser vista e aceita como simplesmente beber em uma fonte

       A partir daí o processo de criação e redação, da idéia ao início da ação, começa a criar corpo, a se desenvolver. Ele, então, dá início, começa a aplicar, a elaborar os seus escritos, pois é uma consequência de suas observações, o resultado de coleta de dados. O texto por si só vem naturalmente, quase sem obstáculo. E como se organizam para escrever, no sentido de tempo? Bem, administrar o tempo é uma questão pessoal, subjetiva, e muda de indivíduo para indivíduo. Sendo, portanto, um caso estritamente pessoal, como eu já mencionara.

       Quanto ao processo de criação, que é um dos assuntos primordial desta introdução, o escritor subjetivamente, às vezes inconscientemente, se depara plagiando, ou parafraseando, outros autores, quase sem perceber. O pensamento, ou trabalho de alguns autores, acabam involuntariamente sendo incorporados ao tema em questão. Que podem ser uma breve passagem, ou até um parágrafo, inocentemente parafraseado ou propositalmente plagiado, ato que considero como um gesto de má fé. A apropriação indevida, o plágio, da obra de um autor, pode ser tanto parcial ou total. Algo visto no meio literário como inaceitável e abominável.

       O escritor João Ubaldo, disse em entrevista que evitava ler livros de outros autores ao mesmo tempo em que escrevia, para que não o influenciasse nos seus escritos. Eu concordo e discordo em parte, uma vez que uma obra lida no passado, querendo ou não, trechos e passagens ficam também armazenados na nossa memória, assim, na primeira oportunidade, de sorrate, elas emergem traiçoeiras; que pode se manifestar numa breve e modesta frase, até num trecho mais condigno, de maior relevância.

       Repito, e deixo claro, que a Introdução deste livro não quer dizer como se deve escrever; mas, sim, um breviário da influência de um autor nos escritos de um outro.          

       Escritores conhecidos, do passado e contemporâneo, já foram questionados sobre a originalidade de suas obras. No passado, o escritor português Eça de Queiroz, após publicar O primo Basílio, fora acusado de ter se inspirado, até demais, na obra de um escritor francês; já Fiódor Dostoievski, inda jovem, copiou trechos dum livro de Nicolau Gogol. Isto ocorreu e ocorrem entre tantos casos, alguns escrachados, outros sutilmente disfarçados. Aqui no Brasil sabemos de alguns, basta fazer uma busca nos veículos vigentes.

       Acredito ter esclarecido e levantado, sob minha ótica, o que realmente vejo como plágio e paráfrase.

       Afinal, em suma, escrever hoje em dia é estar, sobretudo, em sintonia com o mundo exterior, com o literário real, palpável, e, também, com o virtual.

  

 

 

O autor

Renato Senna

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