Um pouco de "TATARENA" - Livro do prof. Marcolino Lacerda
Publicado em 2013-07-29 19:54:48 | 92 Impressões
O livro "Tatarena" é uma composição do professor tremedalense Marcolino Ferraz Lacerda, que conta em linguagem popular causos verídicos, adaptados para a literatura, ocorridos em Tremedal e região. É uma obra de rico conteúdo histórico e social da cidade, que possui poucos, ou nenhum, registro neste sentido. O livro reúne textos escritos pelo professor ao longo de vários anos de sua vida, alguns mais antigos, outros mais recentes, todos com a temática do sertão tremedalense, suas vivências, sua história e sua gente. É uma pena que ainda não esteja publicado. O Professor está buscando apoio e espera que ainda este ano o livro esteja publicado e acessível a todos. Conheça um pouco e saiba por que o nome "Tatarena":
Renato Abreu
Prefácio
Escrevi Tatarena usando uma linguagem regional, típica do catingueiro com toda sua simplicidade e inteligência. O meu objetivo maior foi escrever a vida do sertanejo em sua lida diária.
Eu vivi os meus tempos de criança e adolescência trabalhando na roça com os meus pais e irmãos. Algumas vezes, meu pai contratava empregados para ajudarem no plantio e na carpina do roçado e da capoeira. A minha convivência no dia a dia com esta gente simples contribuiu bastante na elaboração deste trabalho.
Por isso, dediquei boa parte deste livro a contar um pouco da rotina do homem do campo que não tem a sabedoria escrita, mas tem a sabedoria da experiência vivenciada no seu dia a dia com a mestra mãe natureza.
Afirmo que os personagens deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas ou situações da vida real é mera coincidência. Exceto alguns que com a permissão do próprio ou dos seus familiares eu fiz questão de citar.
Sobre Tatarena
As palavras dão acesso ao mundo! Uso-me dessa afirmativa (que pode ser contestada em outros espaços de reflexão) para dizer da obra Tatarena, do Professor Marcolino Ferraz Lacerda, que comunica um mundo bonito e nos convida a espiá-lo com o coração.
Nas mãos de quem tem habilidade, as palavras cumprem o seu papel de tornar presente, quase materializado (com justo exagero) aquilo que estão dizendo. Elas se tornam o ponto de encontro de realidades: a objetiva, que no caso de Tatarena, quando a, talvez já não exista mais... A subjetiva, que para nosso autor é viva, colorida, presente, real.
Nesse encontro, elas (as palavras), então, se arrumam diante de mim, leitor, e fazem que eu partilhe também desse mundo, síntese do real com o experimentado. Aí, com a mesma habilidade de nossos personagens, o Professor Marcolino plantou acertadamente as sementes do seu livro. Plantio diferente: Aqui, as sementes é que fazem o terreno fecundo!
Daí, o “Sol de dezembro que entrou lascando”, o milharal, o feijão catador, os adiados “corte de pano” pra roupas novas dos meninos... Tudo isso pode ser sentido... Torna-se doído também para quem ler. Sabe o cheirinho do café preparado de manhã por Dona Rosa antes da feira de Tremedal... Que delicia! O romantismo puro de Antônio, pensando na amada Juliana. Tanto mais eu poderia recortar para dar destaque.
É com essa linguagem gostosa que Tatarena envolve a quem “se coloca debaixo de sua sombra” para brincar de ver a vida simples, não precária e quando o é, também é rica, feliz, encantadora.
Ainda que seja bastante previsível, destaco também a importância da obra para nos chamar a atenção de como nos distanciamos das coisas simples, mas essenciais. Vamos atolando na complexidade e correria da vida. Aqui não faço uma reivindicação de retorno ou negação do progresso. Não! Na vida de hoje, que as crianças saibam enxergar melhor a vida e por isso se tornem esperança. Que a família redescubra a beleza de ser alicerce de Amor... Que cada Homem receba o seu valor, seja reconhecido em sua dignidade. Pensei nisso também com Tatarena.
Ao Professor Marcolino, parabéns. Espero que a publicação dessa e de outras obras tragam felicidade e que recebam, sobretudo do povo de Tremedal, devido respeito e admiração. De minha parte, já o tem!
Siga em frente professor. Aqui o senhor deu o primeiro passo. A sua história que na qual resgata a família, a beleza e a simplicidade e porque não o romantismo de outrora. Éramos felizes e não sabíamos. O próprio avanço tecnológico mais cedo ou mais tarde vai incumbir de buscar essas raízes tão rica e tão apreciadora. Aqui segue o meu abraço.
Flávio Porto Licenciado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Nossa Senhora das Vitórias, com complementação da Faculdade Batista Brasileira. Bacharel em Administração pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica de Feira de Santana. Estudante Seminarista da Diocese de Irecê – BA |
Ilustrações
Professor Valdomiro Ferraz Lacerda
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Ficha catalográfica
LACERDA, Marcolino Ferraz
&nbs p;   ; - Tatarena –
&nbs p; Tremedal, 2010
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Revisão de Texto
Professora Sandra Margarete de Oliveira Cajaiba
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Design Gráfico
Joel Almeida
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Marcolino Ferraz Lacerda, natural de Tremedal Bahia.
Professor de História, graduado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC e pós graduado em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio pelo IET (Instituto de Ensino Teológico)
Lecionou Geografia e Educação artística durante 21 anos no Centro Educacional de Tremedal. Atualmente leciona História do 6.º ao 9.º ano nos turnos matutino e vespertino.
Escreveu um cordel sobre a Coluna Prestes em Tremedal e também alguns poemas raízes inclusos nesta obra.
Porque Tatarena?
Tatarena é uma árvore típica da caatinga, cientificamente chamada de chloroleucon foliolosum.Por ter passado grande parte da minha infância brincando sob a sombra de seus galhos e ramos é que resolvi dar a este livro o seu nome. Tatarena é fruto de um trabalho de pesquisa realizado por mim. Meu pai, homem do campo, cheio de experiência foi a minha maior fonte de inspiração na realização deste trabalho. Não escrevi um romance narrando uma história literária, escrevi a vida do sertanejo em sua labuta diária. Seu modo de falar, seus costumes,suas festas, crenças e tradições. Leia um trecho do livro:
A feira
Seu Bernardino chegou à feira bem cedo. Após amarrar a jumenta no fundo da tenda de seu Lili, sapateiro local, onde todos os feirantes amarravam seus animais, ele passou na venda de seu Du. Guardou o facão e desceu para a barraca de Dai que trabalhava dentro do Mercado Municipal. Tomou um café e foi comprar feijão e farinha na barraca de seu Miro. Seu Bernardino já comprava na barraca de seu Miro há muito tempo, pois lá sempre vendia fiado para fregueses de confiança.
Na feira, como sempre, é lugar de encontro e bate-papo. Na barraca de seu Zé do Saco, conhecido por Patrãozinho, Bernardino encontrou velhos amigos que sempre reuniam ali para prosear e comprar um bom pedaço de fumo.
E na barraca de seu Zé, conversa vai, conversa vem, até que João de Bela, amigo que Bernardino não via há muito tempo, chega, com sua voz alta e aguçada que poderia ser ouvida no quarteirão inteiro. Suas risadas espalhafatosas acompanhavam o mesmo ritmo da voz:
– Bom-dia, cumpade Bernardo! Quanto tempo! O cumpade tá novo!
-Tou, nada, cumpade João! Tou ficano véio e véio só presta mesmo pra assustá minino. Não é mesmo, cumpade?
- Que nada, cumpade! O sinhô tá muito intêro ainda! Ôh, cumpade, que má lhe pergunte, o sinhô tem mesmo quantos ano?
-Ôh, cumpade, no ano que os *revoltosos teve por aqui, em 1936, eu já era um muleque dos quatorze ano. De 1936 pra 1970 então eu já tou aí na casa dos 58 pra 60.
–Cumpade, quando os reivoltoso passou por aqui, eu tombém já era muleque grande. Lembro como hoje do medo que nóis passemo escondido no mato dibaxo de um rancho de paia e caiu muita chuva naquele ano, cumpade. E a gente disprivinido no mato. Qualquer coisa que mixia nas moita a gente saía doido, na carrêra. O trabáio, cumpade, era ajuntá o pessoá de novo esparramado no meio do mato.
Seu Zé, que estava atendendo fregueses, interrompeu a conversa dos dois compadres:
- Quando os revoltoso entrou aqui em Tremedal, teve um tiroteio danado. Diz até que João Marceneiro baleou um que morreu lá na Rua Nova. Eu num sei se é verdade. O povo conta. Uns diz que morreu, outros diz que não, mas que ele atirou, atirou. O povo daquele tempo era muito valente.
Seu Bernardino continuou a conversa, enquanto virava o rosto de lado escondendo-se do vento para acender um cigarro de palha:
- Era mesmo, seu Zé! Naquele tempo, nesse Tremedá véio, ninguém de fora mitia a besta aqui, não. Era um carrancismo danado. Hoje, não. Hoje, tá até bom. As briguinha que acontece aqui mais é as muié brigano por causa dos marido que vai de noite na Rua da Jurema atrás das *rapariga.
Seu João interferiu:
- Cumpade! Outro dia mesmo, eu peguei o muleque meu, de noite, lá na Jurema, Cumpade! Eu peguei meu *currião e dei uma pisa nele, danada, pra nunca mais ele ir lá naquele lugá.
Seu Bernardino, num sorriso íntimo, atalhou:
- E o que o sinhô tava fazeno lá na Jurema a essas hora, cumpade João? Eu tou estranhano o sinhô!
- Éh, cumpade Bernardo! Eu passei na venda de Dedé Pena pra comprá um fumo e um fosco. Daí eu vi o muleque meu lá, bêrano a casa da tal Roleta. Imagina, cumpade! Ua *rapariga daquela é coisa pra minino?
- E nem pra nóis, cumpade, que somo direito! -confirmou seu João.
- É mesmo, cumpade! - afirmou Bernardino. - Eu mais mia véia se dá muito bem!
- E é isso que é importante, cumpade! A boa vivênça do casal.
(Conteúdo cedido pelo autor do livro, Professor Marcolino Lacerda)